
O conceito da prevenção como parte da consulta do Médico de Família e Comunidade foi proposto pela primeira vez por Chris van Weel, no artigo “Surveillance van risicogroepen; anticiperende geneeskunde (English: Surveillance of risk groups; anticipatory medicine). Huisarts em Wetenschap, 1970; 13: 59–62.”A autora defendeu esse conceito como precioso a nós, pois somos os melhores especialistas para tal. Seja quando a demanda do paciente é essa ou mesmo atendendo às necessidades do paciente sem relação com o motivo da consulta.
Somos o primeiro contato, a referência e o guardião dos pacientes. Percebemos nuances, como os cabelos menos arrumados e a ausência da gola passada sempre tão exemplar, que em sua desordem externa, dá pistas do mundo interior do paciente (há perda de interesse na vida?). Isto é, o que falta até mesmo à percepção do indivíduo, somos capazes de observar e trazer para o nível de cuidado. Compartilhando decisões baseadas em preferências, desde a forma de introduzir a alimentação ao lactente até como devemos prosseguir em relação aos cuidados finais de vida.
Gosto de ver o MFC como um alfaiate, que, a cada encontro, vai tomando medidas, percebendo tonalidades que se encaixam, experimentando tecidos, em outros termos, vai conhecendo a pessoa, aprimorando diagnósticos e propondo tratamentos. Com a longitudinalidade presente, conseguimos ajustar o todo até chegar à melhor roupa que o paciente já vestiu. Mesmo que essa rasgue, fure ou até não sirva mais, nós costuramos, remendamos e até trocamos para aquilo que é melhor, usando a teia da vida daquela pessoa como base.
Somos versados na ciência e nos valores das medidas preventivas com bom embasamento, como nos rastreios oportunos, e não colorimos os meses, pois nossos pacientes têm os matizes necessárias. Assim, sem preferência que não o paciente, conseguimos propor, à luz do paradigma da Medicina Baseada em Evidências, as melhores intervenções.
Para além do indivíduo, conhecemos famílias, contextos e comunidades. Podendo assim intervir em esferas maiores, com impactos ainda mais importantes. O conceito de uma abordagem populacional para promoção de saúde através de consultas regulares centradas na pessoa é o legado que o artigo de Chris van Weel nos deixa.
Mas, como ninguém é uma ilha, em trabalho multidisciplinar (outra base da nossa prática como MFCs) é possível realizar atividades preventivas em um leque maior de oportunidades. Especialmente quando pensamos em mudança de estilo de vida, que passam por alimentação saudável, sono de qualidade e exercícios físicos, por exemplo.
Então, pelo papel central do Médico de Família em ser o primeiro contato do paciente e acompanhá-lo ao longo do tempo, nossa habilidade no Método Clínico Centrado na Pessoa e nosso olhar integral, diversas serão as oportunidades de intervir em aspectos preventivos, além dos estímulos iatrotrópicos dos pacientes. Um cuidado frequente é não ser inoportuno, pois ainda que verdadeira e com bom impacto, uma intervenção em momento errado pode ser danosa.
Autor: Victor Kelles Tupy da Fonseca
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